De alguma forma, em algum momento da vida somos domados.
Aprendemos a justificar tudo, o tempo todo, para nós mesmos e
para o mundo. Como forma inquestionável de sobrevivência.
Chegamos ao cúmulo do desprendimento- justificando perdas
como ganhos.
Perder faz parte de viver. Crescemos perdendo... Perdemos
dentes, perdemos o colo, perdemos aquela soneca no meio da tarde, perdemos a
inocência.
Com o passar do tempo nos acostumamos com a dobradinha – perder e
ganhar. Mas hoje só as perdas me interessam. Sem melindres. Sem medo de parecer
negativa, piegas, frustrada ou depressiva. Perder é horrível. Desde perder o vôo, até perder os sonhos. O ser humano não se habituou a viver o luto
como quer. Não lhe é permitido. Ele precisa
fingir. A intenção é boa, mas a conseqüência é desastrosa. A sociedade teima em
criar super homens, que terminam sempre condenados às tarjas pretas.
Quando uma criança perde seu bicho de estimação, correm para
substituí-lo, se perde o melhor amiguinho da escola porque ele se mudou para a
China, logo lhe consolam dizendo que um dia irão visitá-lo, quando os pais se
separam, dizem que vai ser bom, pois ela terá duas casas. Menosprezam a
importância dos laços de afeto, na intenção de evitar o inevitável: a tristeza perante
certas situações.
Quando adolescente - não
devem chorar à toa (será que alguém acha uma distração chorar?), não podem temer, pois já são quase adultos, precisam
aprender a enfrentar as dificuldades com coragem... Quer mais coragem do
que assumir o medo? Sofrer pelo primeiro
amor é sempre a mesma ladainha: “É isso
mesmo, acontece com todo mundo, essa é só a primeira vez”. Vem a reprovação
no primeiro vestibular: “Ah! Você é muito
novo, no próximo a vaga será sua”. Vem o primeiro emprego e com muita
dificuldade a realização de um sonho: a compra do primeiro carro que ainda sem
seguro, é roubado na porta de casa: “Pense
na sorte (!) que você teve, afinal foi só o carro”. PQP!
Para que esse imediatismo em se livrar da dor? Perder dói,
seja lá qual for o objeto da perda. Se não há como escapar da perda, porque tem
que escapar do sofrimento que ela causa?
É assim que desde muito cedo somos incentivados a dissimular nossos
sentimentos. Fingindo primeiro para atender ao apelo daqueles que nos querem
bem, e depois, por força do hábito, fingir torna-se hábito.
Na primeira frustração do trabalho – um projeto não
aprovado, um livro não editado, uma promoção que não ocorreu, corre-se para o
barulho – do bar e suas muitas latas de cerveja, da boate e suas luzes que
cegam, enquanto o silêncio que permite ver e analisar o que aconteceu, é objeto
de horror! Chorar então, nem pensar.
Quando casado e infeliz, ficar até mais tarde no trabalho,
inventar um esporte para todas as noites, ou escapulidas com outros parceiros,
é mais fácil do que enfrentar o vazio da relação. O problema parece menor com a cabeça cheia de
projetos profissionais, com as piadas dos amigos, com os diferentes perfumes e
as lembranças das noites quentes e vazias. Qualquer coisa que por algum tempo consiga
distrair e manter longe o inevitável confronto com suas falhas e as do parceiro, é válido. Mas trancar-se no quarto sozinho ao invés de suar em campo, ou suar
com outros, e perceber o que precisa ser sentido, para elaborar o que é iminente fica fora de cogitação. O segredo é correr atrás de não sentir. Anestesiar é a
solução.
Um dia você se vê sozinho, mas não quer pensar o porquê de
estar sozinho. E dá-lhe noitadas, sexo, bebidas, viagens, qualquer coisas que
compulsivamente te afaste e te proteja de sentir.
Quando de repente por nenhum motivo você acorda sem
forças para sair da cama, o dia fica longo, você não quer ver ninguém, falar
com ninguém. Desliga o celular, o computador, a campainha. Vai se olhar no
espelho e perceber o quanto esteve longe. Vai pensar, vai lembrar, vai chorar.
Muito. Finalmente vai se permitir sentir. E, com surpresa percebe que vai
sobreviver. E entender que perder e perder-se faz parte e que dói mesmo. No seu
recolhimento vai saber que você não é e nunca foi melhor, nem mais forte, nem
mais inteligente, nem mais capaz do que ninguém. Você é apenas você.
A partir do momento que compreende e aceita a sua
fragilidade, você se torna uma gigante e perder ou ganhar torna-se apenas uma
contingência do momento.
Apesar de que em minha opinião, a partir daí, as chances
de ganhar tornam-se muito maiores do que as de perder.