Fui orientar minha afilhada, de 10 anos, a fazer uma poesia cujo tema
era "Esperança", e enquanto ia fazendo perguntas acerca do tema para
que ela fosse coordenando suas idéias, minha filha, de 8 anos, que ficou ao
lado, participando, voltou-se para mim e disse "Mãe, esperança
pode ser quando a gente quer que pai da gente não vai embora?" Tive
míseros segundos para retornar à Terra e responder-lhe que esperança é esperar
algo, já sabendo o quanto é improvável que aconteça. E não tive coragem de lhe
dizer que muitas vezes era mesmo impossível que acontecesse, como por exemplo,
a volta do pai.
Meu
domingo transcorria em paz até o momento em que minha filha sussurrou aos meus
ouvidos, seu sofrimento. Se eu não sabia dele? Sim, mas a vida fica mais leve
quando não estamos vendo algo que gostaríamos que não acontecesse.
Isso me
remete à minha separação, que esteve perto de uma "hecatombe
nuclear". Um casamento de 12 anos e uma filha, frutos de uma relação de
cumplicidade, paixão e amizade. Jamais imaginei que isso aconteceria conosco e
fui apresentada ao famoso "para sempre, sempre acaba". Me vitimizei
ao máximo, dificultando o que já seria naturalmente difícil. Eu não queria me
separar. Ele não podia fazer aquilo comigo. E os nossos planos? E eu insistia.
E o tanto que você dizia me amar? E ele, penalizado perante minha recusa em
aceitar o fim, ficava. A idéia fixa de que não poderíamos nos separar me cegou,
e eu sempre tão lúcida e coerente, perdi, por um período, o meu bom senso. E
não notava as evidências que caiam à minha frente torrencialmente. Mas como
enxergar quando não se quer ver? E, agarrando ao pouco de lucidez que me
restava, eu tentava me convencer de enxergar o óbvio - ele tinha outra. Tudo
eram suposições, e ele dizia que me amava, e custei a aceitar que palavras o
vento leva... E as atitudes eram absurdamente diferentes daquelas de antes. Eu
tinha o parâmetro que precisava - ele não era mais o mesmo - o que mais eu
queria? E perguntava se tinha outra mulher e ele negava, claro. E eu via o
quanto era difícil para ele. Sim, ele também sofria. Confesso que eu poderia
ter facilitado as coisas, afinal, para que torturá-lo com a pergunta: "você
ama outra?", se as atitudes dele demonstravam que ele não mais nutria
por mim, o amor que afirmava ter? E eu seguia implorando pela confirmação
daquilo que, acreditava que seria a minha libertação, em detrimento do
inevitável rancor que a seguiria. Um dia, tomei um tombo que teve o poder de me
lesionar o pescoço e me sacudir por dentro. Enfim, sai do sono profundo e
resolvi abrir meus olhos e ver. Entendi ali o que sempre preguei - não se perde
o que não se tem. A dor diminuiu e entendi que meu amor-próprio estava na
contra mão da minha insistência por manter aquela relação, a qualquer custo.
Tinha virado posse, a posse que tanto abomino. Tirei a máscara, lancei mão da
minha frontalidade abafada pelos últimos acontecimentos, sai da postura de
vítima e percorri o caminho que me traria a resposta que ele jamais me daria.
Sim, ele já amava outra. A raiva foi descomunal, como eu já previa. Eu queria
entender em que momento aquilo aconteceu, onde eu tive culpa, o que poderia ter
sido feito diferente. Eu o odiei pelas promessas que me fez, pelas juras de
amor eternas, pelos planos para nosso futuro, e, por alguns segundos, em meio
àquele momento de guerra, vi nos olhos dele a culpa pelo meu sofrimento, e
entendi que bastava mais um pouco para que ele ficasse. Mas seria por culpa,
não por amor. Confesso que por segundos pensei em aceitar assim mesmo, mas meu
amor próprio, minha auto estima, meu respeito pelo amor, e até mesmo minha
solidariedade falaram mais alto, afinal, eu queria amor e não piedade, e ele,
por sua vez, tinha direito de viver ao lado de quem passara a amar. Seria
desumano condená-lo a mim, somente porque um dia ele me fez promessas, que no
momento, eram verdadeiras, tanto eram que eu acreditei.
Mas o
tempo passou, a raiva também, amo, sou amada, ele vive seu amor, e a vida
segue seu curso normal, sem prisões e nem prisioneiros. Quando olho para trás
tenho orgulho de mim, da minha capacidade de superação, de força e coragem,
sentimentos essenciais para que eu me libertasse e, conseqüentemente,
libertasse o outro. É preciso dignidade para aceitar que amor não se negocia. Eu
tive. E é isso que me fortalece ao presenciar a dor da minha filha pela
ausência do pai - a certeza de que estava determinado que fosse assim, e me dá
serenidade para respondê-la que junto com a esperança, é preciso vir a
consciência de que há lugares onde não se cabe o sentimento de esperança, e uma
delas é na obtenção ou preservação do amor do outro, pois esse jogo de
"sou amada aqui, amo ali, deixei de amar, amei aqui, deixei de ser amada,
fui amada lá", faz parte do inegociável destino. Porque amor, esse, jamais
se negocia.
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