O blogger é atualizado de acordo com as batidas do meu coração. É um prazer tê-los comigo.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Ainda bem que nesse caso há escolha


Na sala de espera do laboratório encontrei com uma amiga da época de faculdade. Bastou meu caloroso "oi", feliz em revê-la, para que ela começasse a chorar. Aquele choro que é impossível de controlar, costumo dizer que é um tipo que vaza. E me maltrata. Conheço tão bem sua dimensão.
Há 3 anos, casamento em crise, propôs o divórcio ao marido, que negou, pedindo-lhe uma chance. Apaixonada acreditou na promessa de uma nova vida. Abraçou com ele as reuniões do AA, suportou a ex amante que, inconformada com o fim, invadia sua vida de forma doentia. Durante esse processo de reconstrução ele teve recaídas - bebeu, dormiu fora de casa, foi visto com mulheres. Mais de uma vez ela voltou a propor-lhe a separação. Ele voltava a chorar, ajoelhar, implorar. Ela, então, ficava. Afinal ele jurava lhe amar, e só precisava largar a bebida, abandonar "aqueles" amigos, e, quem sabe, frequentar uma Igreja. Aos poucos ela ia perdendo sua paz, adotando atitudes antes desconhecidas para uma pessoa segura, inteligente, de bom senso e sobriedade. Passou a vigiar tudo que o cercava. Pagava por fora a secretária dele para obter informações. Pediu licença do seu emprego para lhe buscar todos os dias no final do expediente. Vasculhava celular, roupa, carteira. Perdia horas ao seu lado, enquanto ele, na internet, ela fingia ler um livro que nunca saiu da mesma página, olhando-o na tentativa de decifrar sua fisionomia, e por vezes seguidas, se aproximava de surpresa para ver onde ele estava navegando. Enfim, abandonou sua vida na esperança de uma vida com ele. Perdeu seu rumo para seguir o rumo dele. Um dia ela recebeu um telefonema com insinuações sobre seus casos extra conjugais, como acontecia tantas vezes. Mas diferente das outras vezes, onde ela lhe interrogava e ele negava fazendo uso de argumentos muito bem embasados e convincentes, não lhe perguntou nada. Foi direto à fonte e descobriu que depois de ajuda-lo a largar a bebida (completara 2 anos limpo), a reconstruir sua autoestima, a se integrar socialmente, ele estava de caso com a advogada da empresa onde trabalhava. Nada me surpreendeu o fato dela me dizer que ele ainda negou.
Completava 3 semanas de separação. A dor dela era contagiante. Saímos dali para minha casa. Fiz força até onde pude para me emocionar só por dentro, mas confesso que também "vazei". Ao invés de ficar triste comigo, fiquei feliz. Ando preocupada com a frieza do mundo. Temo um dia não me consternar mais com a dor do meu semelhante. Rudeza me assusta. Preciso acreditar que sempre haverão pessoas solidárias, que enxugam lágrimas alheias. Gosto da ternura.
Depois de um tempo de conversa ela disse "percebi que não sinto falta dele... nem do seu cheiro, nem da sua voz, nem do dia a dia ao seu lado". Questionei-a então sobre o motivo de tanta dor ao que ele me disse "ele me enganou, jurou me amar, era consciente do tanto que suportei para permanecer ao lado dele, quando desconfiada, perguntava se tinha outra, ele negava e nunca vou perdoá-lo por isso". Nem um minuto ela disse sobre a dor de ver encerrado aquele projeto de vida a dois. Ela não falou da falta. Nem de ausência. Não falou de amor. E pude perceber mais uma vez que nosso mal, de todos nós, é o ego. Quem chorava era seu amor próprio e não seu amor perdido... Ela chorava porque ele prometeu e não cumpriu, e eu entendo, mas usando a razão, ninguém pode prometer nada quando o assunto é amor. Promessa é algo racional. Amor é irracional. A dor dela passava longe de ser uma dor de amor... Ela já andava há muito decepcionada, desiludida, descrente. Consegui fazê-la perceber que ela estava aliviada com aquele final, enquanto ela batia na mesma tecla - "Mas ele prometeu que ficaríamos juntos, ele jurou que me amava! Ele tinha que cumprir!" Coração não cumpre nada... coração só sente.
E volto a questão do apego, da posse, do domínio sobre o outro... Todos sofremos por amor, mas é uma dor sacralizada. Arrisco a dizer que é até bonita. Sofre-se com a aceitação inerente ao sentimento de amor, tudo fica mais leve, até que passe ou ache um abrigo do lado de dentro. Mas a dor da perda é profana, é feia, é revoltante, tudo fica pesado e não passa, porque é um sofrimento amarrado, lacrado, renitente... todos ficam prisioneiros, e se não ficar muito atento, pode-se ficar nessa prisão eternamente. Ainda bem que nesse caso há escolha.

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