Quando criança, tinha pavor da
história do “Barba Azul” – homem rico e feio que matava todas
as suas mulheres que porventura entrassem em um determinado quarto do
castelo. Na adolescência fui apresentada a uma nova versão do personagem,
quando uma professora de literatura disse: “meninas, fujam dos Barba Azul –
sempre galanteadores e infiéis”.
Cursando
filosofia, em uma releitura desse conto infantil, fui
apresentada a mais uma versão do temido personagem, por quem me apaixonei, não
perdidamente, porque já não me perdia tão facilmente, mas digamos… Apaixonei-me
verdadeiramente, pelo que ele passou a representar para mim – homem de olhos
lindos, que de tão azuis, coloriam com seu brilho sua barba, conferindo-lhe
esse apelido; não matava mulheres, no sentido de privar-lhes a vida, não era um
sedutor e muito menos infiel, era sim, um homem honesto que sabia com precisão
o que buscava em uma mulher, e nunca escondeu isso de nenhuma delas.
Enfim,
ele não enganava (nem a si mesmo), não seduzia, nem prometia o que não poderia
cumprir. Em minha opinião, ele era um homem muito bem resolvido e que usava de
sua racionalidade em prol de um verdadeiro encontro de amor.
Eu, particularmente, detesto
sedutores, por reconhecer neles um grau elevado de insegurança, além de uma
total falta de originalidade em seus discursos óbvios e repetidos – o que pode
também se resumir em previsibilidade. E todas essas características causam-me
enfado.
Bom, Barba
Azul, apesar de não ser um sedutor, possuía requisitos que por si só,
já seduziam todas as mulheres do reino – sinceridade sobre a busca de seu amor. Namorava
muito, mas uma de cada vez, e sempre usando de uma verdade inimaginável, onde
não cabiam frases de efeito, nem invenções para impressionar a pretendente.
Apenas dizia: “Minha busca é por uma mulher que considero como sendo
ideal para mim. Pode ser você, ou não. Para sabermos, convido-a a viver no meu
castelo por uma semana enquanto eu vou viajar. Aceita”? Todas
aceitavam, e nenhuma, apesar de dotadas de beleza e cultura, passava no teste,
momento em que ele dizia: “Sinto muito, não posso casar-me com você”.
Ele realmente matava, mas era o sonho dessas mulheres, e preservava o seu. Ato
inteligente.
Um dia
caminhava pela praia quando avistou Stella Maris “ela não era bonita,
bonito eram seus olhos, bonita era sua voz… ouvi música no seu coração.” Pela
primeira vez ele quis jogar suas convicções para o alto, foi até ela e disse:
“Quer morar em meu castelo”?
“Você está me pedindo em casamento”?
Por um segundo, sentiu que ia desistir de sua busca, quando
rapidamente recuperou a lucidez e respondeu:
“Ainda não. Ficaremos em aposentos separados, quero
primeiro, descobrir você.”
Seus
olhos encheram-se de lágrimas, mas ele não queria desviar-se por um atalho
incerto. Não queria viver momentos, queria apostar no “para sempre”, no qual
tanto acreditava. No castelo ele a explicou que iria viajar, e deixaria
com ela um molho contendo sete chaves. Ela deveria usar uma chave por dia para
abrir os aposentos nelas indicados. E assim o fez – ele partiu, e ela foi
conhecer cada um dos quartos.
Quando
ele voltou de viagem, repetiu o ritual de anos – pegou as chaves das mãos da
pretendente, trancou-se em seu quarto, assentou-se confortavelmente na
poltrona, e de olhos fechados foi segurando uma por uma as chaves. As
chaves continham o poder de reproduzir no seu coração todos os sentimentos que
sua pretendente experimentara ao abrir cada uma das portas.
Uma era
um salão de festas lotado de pessoas dançando, outra era um salão de banquetes,
onde outras comiam e bebiam do melhor vinho, depois era a porta do parque de diversões,
com crianças correndo para todo lado, depois a biblioteca com milhares de
livros e dezenas de leitores atentos, em seguida, a cadetral com lindas músicas
e sujeitos com as mais diversas expressões, quase no fim veio o jardim japonês,
com seu lagos de carpas, cerejeiras em flores e casais que passeavam inebriados
com tamanha beleza. Enfim, a esperada sétima chave – sala imensa, vazia de
qualquer presença ou som. Absoluto silêncio. Apenas uma vela acessa e um banco,
onde ela assentou-se e ficou por horas a fio, tranqüila com sua solidão. Chorou
de emoção e desejou que o tempo parasse ali.
A chave
transmitiu tudo a Barba Azul, que emocionado percebia que
sua busca havia terminado. Levantou-se foi até Stella Maris e pediu-lhe em
casamento.
“Você
caminhou pelos prazeres e alegrias humanas e como todas as outras soube
compartilhá-los”.
“Mas então… porque eu”?
“Porque
entre todas, você foi a única que aceitou fazer companhia à minha solidão.
Fácil ser companheira de danças, jantares, discussões literárias, brinquedos.
Difícil foi achar quem amasse minha solidão. Nossas solidões são amigas”.
Saber o
que esperamos do outro é a única maneira de não errarmos na
escolha. Existem pessoas que vivem de barulho, gostam assim. Outras
vivem de um falso silêncio, fogem do barulho externo, mas não se permitem calar
por dentro.
Quando você já for uma boa
companhia para o seu silêncio, busque quem também o seja. Isso é amor.