O blogger é atualizado de acordo com as batidas do meu coração. É um prazer tê-los comigo.

segunda-feira, 7 de março de 2011

UMA CATARSE

Deixo com vocês mais um desabafo. Para essa pessoa, que me acompanha desde o início do blog, tenho tentado dar respostas diariamente. 
Obrigada ao amigo que lhe encorajou essa catarse ao vivo e à cores.
Quando o dia teima em não amanhecer para mim, preciso desabafar. Como não gosto de falar, escrever é minha opção. 
Nasci em um ambiente ruim. Uma mãe emocionalmente doente e um pai intransigente que vivia afogado em suas próprias dualidades.  Faltou-me paz para crescer segura e tranqüila. Passei a minha vida cuidando de minha mãe e odiando meu pai por isso.  Para fugir desse inferno, casei-me aos 19 anos, mesmo sob fervorosos protestos. Freud explica porque escolhi um homem com características tão parecidas com aquelas que eu tanto abominava no meu pai. Acho que vivi um "complexo de Electra disfuncional" - meus pais tinham uma relação péssima e eu assumia as funções de minha mãe, cobrando do meu pai uma postura que tornasse mais digna, a vida de todos da casa. Tornei-me adulta ainda muito pequena, na minha vida não houve espaço para manhas e mimos. Com meu pai aprendi sobre idéias e práxis, muito antes de estudar Marx. Ele era cheio de ideologias cantadas diariamente em frases prontas que eu conhecia de trás para frente (minha vida é um livro aberto, um homem precisa ser transparente, minha consciência me permite deitar e dormir, nunca falei o que não pudesse cumprir, e por aí vai). Apesar de péssimo marido, eu ainda acreditava no grande homem. Dois meses antes do meu casamento, me descobri grávida. Foi um misto de sentimentos - difícil explicar - um filho, que eu sempre sonhei em ter, e a decepção para o homem corretíssimo, acima de qualquer suspeita, exemplo de cidadão, quase dono de uma cidade pequena e elitista, que ainda transbordava coronelismo por todos os lados, e que por acaso era meu pai. Fiz um aborto em uma clínica chique e fria do RJ. Sozinha, sem dizer nada a ninguém. Tive a visão do inferno. Chorei até achar que ia enlouquecer, não enlouqueci. Mas também nunca parei de chorar completamente. Meu filho teria 24 anos. 
Dois anos depois, já casada e tão infeliz quanto minha mãe, descobri absolutamente sem querer, que aquele homem acima de qualquer suspeita, tinha praticamente outra família, além de um harém. Meu mundo desabou por debaixo dos meus pés sem que eu tivesse tempo de me segurar. Desabei ao chão, mas fui içada com a mesma rapidez, pelo ódio que me consumiu naquele momento. Tirei meu filho para proteger esse homem. Novamente pensei que fosse enlouquecer. Dessa vez, quase enlouqueci. Achei na terapia e no filho que agora ia nascer, meu apoio. Nunca superei, mas aprendi a lidar com essa dor eterna.
Com pouquíssimo tempo de casada, vivendo em absoluta solidão, voltei à faculdade, e lá, me apaixonei. Como mentir sempre me amedrontou mais do que falar a verdade, separei-me, dando todos os motivos, inclusive o fato de estar amando outro homem. Fui escorraçada. Acabava de completar 23 anos, um filho pequeno, financeiramente dependente do marido, ou do pai (o que significava a mesma coisa) e vivendo uma bela história de amor com um estudante de 20 anos, muito mais maduro e corajoso do que todos os homens que me cercavam. Enfrentei tudo de forma aguerrida, inclusive a falta do dinheiro, até que ameaçaram tomar a guarda do meu bebê, isso eu não suportaria. Sofri com tanta intensidade que só pelo meu filho, consegui continuar. Eu sentia na alma a falta daquele amor que tive que deixar, sem chance de escolha, além de carregar comigo, a culpa pela dor que ele também estava sentindo. Estava dilacerada. Sofria por mim, por nós dois, e pelo futuro que fui forçada a abrir mão de viver.
Retomei meu casamento, até que a infelicidade começou, assim como ocorreu com minha mãe, a me consumir fisicamente. Ainda vivi oito anos na mesma vida miserável, até que me separei definitivamente. O preço de minha liberdade foi altíssimo. Ouvi de meu pai que me faltou boa vontade para "empurrar" o casamento... Pasmem!  Eu não queria uma vida empurrada, queria uma vida vivida. Deixei bens, dinheiro, e estabilidade financeira, para que eu pudesse recuperar minha saúde física e emocional.  Alguns anos depois, encontrei uma pessoa em quem decidi apostar. O preço por essa escolha foi muito mais alto do que aquele pago pelo divórcio. Por um tempo pude ficar em paz. Tinha uma fazenda que era a "menina dos meus olhos", continuava na empresa do meu pai, onde trabalhava desde os 17 anos, e, mesmo sendo um peso para mim, eu conseguia sublimar e me sentir feliz. Até que as coisas começaram a tomar um rumo que fugiu ao meu controle. Quando dei por mim, fui convidada a me retirar da empresa, e perdi outra vez, um grande amor - aquela fazenda, não pelo seu valor material, mas pelo que seu significado. Ali eu plantava minhas roseiras, minhas ervas medicinais, meditava sob as imensas mangueiras, lia no meu jardim, caminhava entre eucaliptos e quaresmeiras que eu mesma plantei, nadava no açude cheio de patos selvagens, andava a cavalo, relaxava por horas no orquidário que eu mesma fiz, cozinhava no fogão à lenha, passava noites enrolada no cobertor, olhando a lua e quem sabe esperando ver um disco voador (não riam, é sério) e ainda planejava cada detalhe para ali envelhecer e terminar meus dias. Em menos de uma semana foi tudo embora. Vendido. A fazenda não era minha de fato. Nada nunca foi meu de fato. Tudo pertencia ao meu pai. Passei noites sonhando com tudo aquilo, acordava assustava no meio da noite, sentindo cheiro de mato. Chorava com reservas, pois me envergonhava sofrer por algo material. Até conseguir compreender que lá continha vida, e era a minha vida. 
Nessa mesma época eu perdia minha família a conta gotas - enterrava pessoas vivas todos os dias. Uma experiência dolorosa. Todos que me viram crescer ou cresceram comigo, e que eu acreditava me amar incondicionalmente, me condenaram e me deixaram só.  Meu pai era o maestro dessa orquestra - ele comandava, enquanto eu era uma simples integrante, até o momento de minha expulsão. A experiência que ganhei com o passar dos anos garantiram-me a confiança de nunca mais abrir mão das minhas escolhas, em prol de terceiros que tinham por mim um amor efêmero.
Ainda não consegui assimilar tudo. As perdas foram enormes, constantes e com explicações nada convincentes, para quem se guia pelo coração. Como se mede o valor de uma pessoa pela obediência ou não, de "regras" impostas por uma ditadura patriarcal? Fui julgada e condenada sem nunca ter sido ouvida. Ninguém se deu ao trabalho de me procurar para saber como eu estava naquele momento em que tinha perdido o emprego, o meu "lugar sagrado" (como todos se referiam à fazenda), e ainda por cima, tinha sido ejetada (termo recém aprendido) da família e seus laudos almoços de domingo, festivos natais, e inúmeros aniversários. 
O tempo passou, mais de quatro anos já se foram desde aqueles piores dias. Nada nunca será como antes, nem dentro e nem fora de mim. Hoje, depois de tanta superação, aprendi a ficar só. Não dependo de ninguém para estar bem. E nesse aprendizado, sinto que me afasto cada vez mais do mundo. Meu grau de exigência ficou além das possibilidades das pessoas e aquém das expectativas de quem não quer mais errar e nem se machucar.
Não me sinto infeliz, só me sinto em meio a uma busca que me deixa exausta, pois parece não ter fim. Eu, literalmente não vim ao mundo à passeio, e cada vez mais só enxergo ao meu redor, pessoas com mochilões nas costas, com o propósito único de garimpar emoções e pessoas imaginárias ao invés de garimpar dentro e fora de si, o que é substancial. 
Eu já vi muito do que existe lado de fora, e sinceramente, não gostei de quase nada, então, prefiro ficar quieta, olhando para dentro. Vez ou outra me surpreende o que vejo, e gosto. 
Tornei-me uma excelente companhia para mim e cada vez fica mais difícil encontrar um bom motivo que me faça conceder um espaço para que alguém entre e me faça companhia. Porque precisa ser realmente, uma exímia companhia.
Enfim, crescer dói.

10 comentários:

Messias disse...

Céus! Que coisa linda essa narrativa tão intensa, tão triste e sem ser piegas. Não vemos aqui uma vítima, mas uma guerreira, que com todo respeito eu faria das tripas coração para merecer ser essa "exímia companhia".
Parabéns Marcela pelo seu blog e pelo que ele é capaz de fazer às pessoas.
Sucesso!

Refúgio de Palavras disse...

É amiga... TOdo mundo toma aqui nessa vida sua dose de sofrimento, não é mesmo. Sua história é realmente impressionante! Mas vou ser solidária a você e ao que se tornou agora, pois me sinto exatamente assim. Não encontro motivos para dar espaço para uma outra pessoa em minha vida. Minha companhia me basta e acho que vai ser assim pra sempre. Pois parte de mim morreu, e para a morte não há remédio. Força, amiga, estamos aqui ainda, então nossa missão ainda não acabou! Abraços...

Anônimo disse...

Acredite em vc, acredite nos seus filhos e acredite q vc não estará só...nunca esteve. Bjs

Doris disse...

olá marcela. parabéns pelo blog. cada dia lemos aqui mensagens mais lindas, e em todas elas sempre encontramos um pouco de nós. isso nos fortalece, e nos encoraja. mto lindo tudo o que se passa aqui.

Marcela disse...

Oi pessoal. Obrigada pelo incentivo enviados aos meus leitores q estão "meio adoecidos", através dos comentários. Funcionam como remédios, estejam certos disso. Agradeço por mim e por todos eles. Bjos

Anônimo disse...

Me sinto nesta solidão, porém ainda não descobri como viver feliz assim. Se tiver o segredo me conta. Seria minha salvação.

Marcela disse...

Olá Anônimo. Solidão no sentido de abandono, rejeição, sofrimento, é mesmo terrível. Mas aquela solidão onde vc encontra o seu espaço, não depende de nenhuma presença para encontrar paz, sossego, tranquilidade, não "paga" outra pessoa com sua permissividade apenas para ter com quem ir ao cinema, teatro, etc. Essa é uma solidão consciente, que não precisa ser ruim. Ruim é sentir-se sozinho, mesmo estando acompanhado. Pense nisso.

Jackie Freitas disse...

Olá Marcela querida!
Recebi seu e-mail e vim aqui te conhecer! Primeiramente quero agradecê-la por incluir o Fênix em seu blog. Espero que meus textos possam contribuir em algo aos seus leitores e, quem sabe, para você também!
Quero dar-lhe os parabéns pela força e coragem com que tem enfrentado a vida! Você está no clube das Fênix! Guerreira e valente, que renasce diariamente e transforma as próprias cinzas em novas asas para vôos altos... Não sinta-se só! Aliás, você sabe que não é só. Não é fácil viver e crescer realmente dói! O processo da consciência e amadurecimento é, por muitas vezes, traumático, mas acredite, traz benefícios que só enxergamos adiante.
Se posso te aconselhar (nem é essa a palavra, pois não gosto dela...rsrs), não se feche jamais para a vida e pessoas! Não perca a fé naquilo que a vida pode te oferecer. Acho que faz parte dessa viagem a surpresa. E quando menos esperamos, quando nos encontramos desarmadas (mas não indefesas!) as melhores surpresas acontecem! Por isso, minha querida, olhe para frente sempre e continue caminhando igualmente para frente! O passado só serve como referência daquilo que hoje sabemos não ser bom e adequado. Saber virar a página e acima de tudo perdoar é um ato que requer muito mais bravura do que viver... Pelo que li aqui, tenho certeza que você é uma dessas pessoas encantadoras, que surpreendem e que são presentes na vida daqueles que conseguirem te enxergar com os olhos puros. Não se esconda dessa pessoa que é! Deixa-a florescer e aparecer... Num momento qualquer, inesperado e surpreendente, boas coisas irão lhe acontecer!
Grande beijo e muito obrigada pelo prazer de te ler e conhecer!
Jackie

Gisa disse...

Eh... parece que seu pai te fez um grande favor.
Já pensou esse "coronel" na vida dos seus filhos, e voce ainda ter que cuidar dele quando ficar velhão sozinho e doente?
Não tem vida em fazenda, ou qualquer outra coisa que valha. Abs!

Marcela disse...

Oi Gisa, obrigada pela visita. Não é bem assim...a fazenda foi uma perda quase irreparável na minha vida e meu pai quase não pisava por lá. Qto a estar na vida dos meus filhos, sou mais forte que ele, e sou uma leoa qdo o assunto são minhas crias. Agora sinceramente apesar de todos os pesares se um dia ele ou qualquer ser humano precisar de mim em um momento de doença, estarei presente. O tempo me ajudou a entender que rancor não me levaria a lugar algum. Bjos querida.

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