O blogger é atualizado de acordo com as batidas do meu coração. É um prazer tê-los comigo.

sábado, 22 de novembro de 2014

"Há algo de podre no reino da Dinamarca"


Três anos se passaram desde que minha vida familiar feliz e estruturada, desmoronou. E eu que, até então, não encontrava coerência nas ideias de Karl Marx, encontrei em sua frase "o que é sólido desmancha no ar", uma representação para o que me acontecia. 
Sofri de arder. No inicio eu sangrava dia a dia. Uma noite qualquer, daquelas que parecia não ter fim, olhei para meus filhos dormindo, e me dei um prazo para secar as lágrimas. Assim mesmo, como se meu sofrimento fosse ter uma data de vencimento para que eu não mofasse de vez, como pão. Psicóloga duas vezes na semana, psiquiatra e tarjas pretas. Seis meses após a separação, eu já enxergava a luz, já via cores, já cantarolava músicas, e já não tomava remédios. 
Apaixonei-me outra vez, fiel à máxima: "tudo passa".
Vida nova. Tudo novo - roupas, namorado, trabalho, amigos, viagens, casa, quarto, cama. 
Congelei o passado. Nunca mais perdi um minuto do meu dia pensando no que tinha acontecido. Não queria saber. Não sentia nada, nem raiva. Conheci muitas pessoas novas, e entre elas, uma que já tinha dois anos de separada, e que ainda vigiava a vida do ex, se deixando envenenar pelo passado, perdendo chances de ser feliz no presente, e sem espaço para projetar o futuro. E eu agradecia a Deus pela minha capacidade de superação.
Não faz muito tempo, olhei para meu dia completamente louco, lotado de compromissos, me dividindo entre trabalho, casa, filhos e hospital, onde minha tia estava internada,  e vi brotar timidamente aquele mesmo ódio, no exato momento em que meu celular tocou: "mãe, você esqueceu de me pegar na escola, mas meu irmão já me pegou".  
Eu já era mãe há 24 anos e jamais tinha me acontecido algo parecido. Eu quis morrer de culpa no início, mas decidi por (quase) morrer de ódio no final. E percebi que eu, mãe, não tinha perdoado nada, eu apena tinha congelado. 
Fui pra casa, conversei com minha filha e levantei a possibilidade de voltar ao psiquiatra. Aí pensei: remédio para que? Para anestesiar o que eu já tinha feito a besteira de congelar? Não. Eu precisava enfrentar, deixar vazar, assumir, para só então, finalizar. E é o que tenho feito. 
Olho para minha filha (que nunca mais esqueci na escola) crescendo, se tornando uma moça, passando por fases que se alternam assustadoramente 20 vezes por dia, como toda pré adolescente, e penso no quão covarde foi esse pai. Não o marido, esse eu não precisei congelar, já que se evaporou no prazo de validade que estipulei. Gracias!
Não acordo no meio da noite pensando nisso, nunca perdi uma noite de amor, de distração ou um dia de trabalho me consumindo. Mas, em várias situações cotidianas que envolvem a vida da minha filha, eu percebo que não perdoei, e me esforço para jamais deixar que ela perceba isso. 
Não desejo mal a ninguém (não porque seja boazinha, mas porque ao desejar algo, desprendemos energia, e preciso muito da minha) mas também não acredito que nenhuma pessoa possa ser feliz sobre a infelicidade de um outro (principalmente, de uma criança). 
Sinto profundamente pela existência de laços que não se desfazem, e que ainda por cima, nos obrigam a conviver com seus novos laços trazendo o odor que exala da podridão nos ambientes que se formaram a partir de mentira, dor e traição.  
Enfim, como em Hamlet "Há algo de podre no reino da Dinamarca". 
Sempre houve.

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