Antes o mundo me parecia
calmo.
Como nada do que existe está
engessado dentro de um significado único, será então que fui eu que perdi
a mansidão, e o mundo se agitou aos meus olhos?
Ao acordar eu sempre
espreguiçava, não pulava da cama como se tudo lá fora dependesse de mim para
existir.
Ao deitar eu adorava me perder em
pensamentos. Não tinha tanto sono, pois não acordava tão cedo, e ficava
sonhando... Sonhos possíveis e outros nem tanto. Sempre gostei de imaginar como
tudo poderia ser, se não fosse daquela maneira. Tudo mesmo - eu, as pessoas,
minhas relações, minhas experiências.
Reflexão é meu esporte favorito,
antes exercitado com tranqüilidade. Era possível colher impressões e constatar
que no entorno de tudo que me saltava aos olhos, ainda existia um oceano a ser
descoberto. E eu saboreava o novo. Agora descobrem tudo e já nos entregam em
embalagens. Estamos encurralados.
Os fins de tarde no outono,
aquele clima bom, minhas primas no quintal e o piano da minha avó tocando ao
fundo é um cenário que jamais poderá ser desfeito, nem mesmo o tempo e sua
pressa serão capazes de apagá-lo. É tatuagem na minha alma.
O imediatismo do mundo tenta
me consumir, e eu, teimosa, vou resistindo.
Antes havia uma cadência no
relógio, uma coerência com o tempo. Hoje ele está desgovernado! Ou sou eu que o
percebo assim? Desgovernei-me então... É uma possibilidade também!
Todas as estações do ano tinham
cheiro e eu os sentia tão naturalmente que nem percebia. Só percebi que sentia,
quando deixei de senti-los. E posso dizer que me eram essenciais. Eu conhecia
as estações sem calendários.
Detalhes se tornaram gigantes
tentando roubar nosso tempo que urge implacável. Então, nada de se ater a
detalhes! A orquídea que se abriu, o beija-flor que bebe água na sua varanda, o
arco-íris, os pais já idosos e suas intermináveis histórias, os filhos querendo
assistir Discovery Kids com você...
A vontade de tempos calmos invade
cada canto de mim diariamente.
As coisas só possuem o sentido
que atribuímos a elas, e a calma do mundo é vida para mim.