Enquanto eu escondia os ovos, o pai fazia com dedos e farinha, as "pegadas do coelhinho". Um dia Clara entendeu que poderia escolher o ovo diretamente na loja, sem precisar esperar ansiosamente pela chegada do animalzinho e nunca mais fizemos esse delicioso ritual.
Ontem ela encontrou os ovos de páscoa guardados no meu armário. Pegou um por um, olhou, perguntou para quem era esse e aquele. Depois virou-se para mim e disse "Mãe, domingo você faz com seus dedos as pegadas do coelhinho para eu encontrar os ovos"? Senti-me nocauteada. Em uma cumplicidade dolorida, sorri para ela com vontade de colocá-la no colo. Devolveu-me o sorriso, e desconfio que tenha tido também vontade de me oferecer seu colo.
Pela primeira vez vamos enfrentar o domingo de Páscoa sem que a nossa família esteja completa. Ainda não sei que sabor terão os chocolates.
Traduzi seu pedido inocente como "Mãe, vamos fazer de conta que nada mudou?" Mandei às favas meu usual discurso chato e politicamente correto de "Nunca devemos mascarar nada" "É preciso enfrentar" "A vida é para quem tem coragem". Hoje quero fazer de conta também. Fechar os olhos e sentir que estamos juntos outra vez. Criança fantasia para elaborar sua dor. Quem sabe aprendo com ela? E enquanto ela procura e eu finjo que ajudo, vou rezando para que nesse dia de renovação, possamos encontrar junto com os ovos, a paz, a coragem e a tranquilidade para enfrentarmos juntas esse caminho diferente e incerto, sem a companhia daquela pegada firme que nos amparava, com quem compartilhávamos a vida com tanto prazer, e tinha um "ar de para sempre" tão grande... Domingo vou acordar mais cedo, vou fazer as pegadas e vou esconder os ovinhos, como você pediu, meu amor, e vamos tentar ter um dia feliz, mesmo faltando um pedaço.