Coisa difícil é o recomeço. O sol nasce indiferente ao seu sofrimento dilacerante que, por acaso, não é maior e nem mais importante do que o de ninguém. Olha em volta e tudo está no mesmo lugar, só você que está vivendo um caos particular. E independente disso o mundo segue ligeiro lá fora. Hora de se organizar - há uma pessoa a menos na sua rotina. Uma pessoa tão fundamental... Que como um pássaro engaiolado, voou para longe desse ninho que por tanto tempo, foi só de amor... Deixando você partida em pequenos cacos... E ainda assim é preciso decidir qual o novo horário que o despertador precisará tocar para que você dê conta do dever de casa, do almoço, das várias aulas que consomem toda a parte da manhã em um exaustivo leva e trás. Além disso tem a "guerra" do almoço - come, não quero. Tem que lembrar da merenda.Tentar não perder o ônibus da escola. Buscar à tarde ( e sempre levar uma coleguinha para brincar em casa). E aí tem mais - psicóloga, teatro(essa é novidade!) e ver a bisa de 92 anos que cobra a presença. É preciso ficar atenta ao intestino da filha que não funciona bem - ter o cuidado de fazer uma salada de fruta (detesto picar frutas!). Uniforme precisa estar limpo. E tem o cachorro: levar para tomar banho, sair para a volta diária com o bichinho (prometo!) e tem o filho que mora fora, e tem o outro que quer conversar sobre a namorada. E ninguém mais para dividir tudo isso com você. Até outro dia tinha, agora não tem mais. Preciso começar minha caminhada diária. Dar conta da faculdade. E o estágio? E ainda tem aquele bom dia sorrindo (nem que seja de vez em quando), jogar UNO com a filha, assistir Disney na TV, fingir que está feliz e responder de boa vontade as infindáveis perguntas que ela faz sem parar, enquanto um britadeira poderosa parece que vai te furando inteira, sem trégua, de tanta dor que vaza por todo canto, enquanto você repete em pensamento: "vai passar, vai passar", e segue tirando força da crença de que a vida é mais do que isso que vemos por aí. E tem a cama vazia à noite, e tem um lugar a menos na mesa de almoço e tem o desejo de que essa reformulação de vida fosse apenas um terrível pesadelo, e que ao acordar, tudo continuasse no mesmo lugar.