O blogger é atualizado de acordo com as batidas do meu coração. É um prazer tê-los comigo.

domingo, 15 de abril de 2012

Desencanto

Dando continuidade à deliciosa  blogagem coletiva "Amor aos Pedaços" aqui estou eu, participando da fase Desencanto. Tudo coincide comigo - estou aos pedaços e vivi um imenso e inesperado desencanto. Participo, com uma carta que escrevi endereçada à dor que me consumiu quando o desencanto bateu a minha porta, lá pelos meados de novembro.


Caríssima dor,
você deu sinais que arrombaria a minha casa, e eu não vi. Quem viu não me avisou. Mas aqui nunca teve espaço que fosse seu, e nunca terá. Você tem péssimos hábitos - roda para lá, roda para cá e vai lanhando objetos e pessoas, enfiando farpas agudas. Uma hora é o armário que surge sem um pedaço, outra hora é minha carne. Armário não sente dor, sua burra. Só eu. E sangro. Armário só serve para guardar pertences, já eu faço parte e tenho minhas partes em muitos pertences, meus e alheios. Ou tinha. Você maltratou minhas certezas. Roeu um círculo no chão sob minha poltrona preferida.  Esperou o momento em que lá eu me aconcheguei com algumas certezas e um livro entre as mãos e enterrou seus dentes afiados no último ângulo que faltava. Fomos sugados: o pedaço do chão, a poltrona e eu, distraída, pensando na última frase lida: "quem escreverá a história do que poderia ter sido". Ainda estou em queda livre, agarrada a Fernando Pessoa, sua frase ecoando dentro e fora de mim, sem saber onde vamos chegar. Minhas certezas? Coitadas... E olha que eram poucas, muito poucas. Mas eram minhas. Apostei tão alto! Quebraram a banca com apostas de um vida inteira.  Onde foi parar minha fortuna... Felicidades, sonhos, projetos? Sei lá... devem estar por aí com a poltrona...Ou estariam com você?  Mas para nada te servirão, enquanto eram meus esteios. Proponho um acordo. Não sei se será bom para os dois lados, porque para você nada parece bastar... você espreme meu coração, corrói meu estômago, finca a minha garganta, leva meu sono, rouba minha paz, e só quando molho todo o colchão (porque o travesseiro não lhe basta) é que você me dá um segundo de trégua.  Esses dias você tem sido monstruosamente maior do que eu, me engolindo com facilidade. Não sei se é esse mesmo o seu tamanho. Mas sei que não é o meu. Não sou pequena, não encolho, nem me submeto. Sou forte e grande como um leão. Nem queira conhecer minhas garras. Melhor, então, fazermos o tal acordo. Aprendi com você (e para sempre), a não ter certezas, como escreveu minha amiga Vera Alvarenga: "o único sentimento que conheço é o meu". Aprendi a prestar mais atenção aos sinais que chegam silenciosos e aprendi que sou do tamanho que me vejo. Dessa forma, te aceito, te agradeço e te libero. Pode ir. Nosso acordo é que eu não te alimento mais. Nem uma lágrima está ouvindo? Mas te reverencio até o fim, e contarei isso ao mundo todo (será que você é vaidosa? Torço para que sim). Reverencio o seu poder, seus sábios e dolorosos ensinamentos.
Finalizo essa carta, fazendo minhas as palavras da  querida Kátia.

“Estou saindo sem levar as chaves. Portanto, deixe as portas abertas, bem como as janelas também. Quero arejar o quarto. Quero aliviar-me de sua presença que me custou muitas noites de insônia e abundantes lágrimas. Saia sem deixar marcas... E...por favor...Não me procure nunca mais...
Respeitosamente,”
Marcela
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