A querida
Kátia, do blog Elos do Saber (http://elosdosaber.blogspot.com)
escreveu dias atrás uma carta endereçada a sua Dor. Comoveu-me profundamente e
eu nem estava pensando na minha que parecia estar longe... (acho que longe é
mesmo um lugar que não existe). E assim, essa traiçoeira invadiu minha casa. Decidi
também enviar-lhe uma pequena carta, porque dor é uma “coisa” que fica perto da
gente com uma paciência de Jó, mas desconfio que seja impaciente para grandes leituras.
Você deu
sinais que arrombaria a minha casa, e eu não vi. Quem viu não me avisou. Mas aqui
nunca teve espaço que fosse seu, e nunca terá. Você tem péssimos hábitos - roda para lá, roda para cá e vai
lanhando objetos e pessoas, enfiando farpas agudas. Uma hora é o armário que
surge sem um pedaço, outra hora é minha carne. Armário não sente dor, sua burra. Só eu. E sangro. Armário só serve para
guardar pertences, já eu faço parte e tenho minhas partes em muitos pertences, meus e
alheios. Ou tinha. Você maltratou minhas certezas. Roeu um círculo no chão sob
minha poltrona preferida. Esperou o
momento em que lá eu me aconcheguei com algumas certezas e um livro entre as
mãos e enterrou seus dentes afiados no último ângulo que faltava. Fomos
sugados: o pedaço do chão, a poltrona e eu, distraída, pensando na última frase
lida: "quem escreverá a história do que
poderia ter sido". Ainda estou em queda livre, agarrada a Fernando
Pessoa, sua frase ecoando dentro e fora de mim, sem saber onde vamos chegar. Minhas certezas? Coitadas... E olha que
eram poucas, muito poucas. Mas eram minhas. Apostei tão alto! Quebraram a banca
com apostas de um vida inteira. Onde foi
parar minha fortuna... Felicidades, sonhos, projetos? Sei lá... devem estar por
aí com a poltrona...Ou estariam com você? Mas para nada te servirão, enquanto eram meus esteios. Proponho um acordo.
Não sei se será bom para os dois lados, porque para você nada parece bastar... você
espreme meu coração, corrói meu estômago, finca a minha garganta, leva meu sono,
rouba minha paz, e só quando molho todo o colchão (porque o travesseiro não lhe
basta) é que você me dá um segundo de trégua. Esses dias você tem sido monstruosamente maior
do que eu, me engolindo com facilidade. Não sei se é esse mesmo o seu tamanho.
Mas sei que não é o meu. Não sou pequena, não encolho, nem me submeto. Sou
forte e grande como um leão. Nem queira conhecer minhas garras. Melhor, então,
fazermos o tal acordo. Aprendi com você (e para sempre), a não ter certezas,
como escreveu minha amiga Vera Alvarenga: "o único sentimento que conheço é o meu". Aprendi a prestar mais atenção aos sinais que chegam silenciosos e aprendi que
sou do tamanho que me vejo. Dessa forma, te aceito, te agradeço e te libero.
Pode ir. Nosso acordo é que eu não te alimento mais. Nem uma lágrima está ouvindo?
Mas te reverencio até o fim, e contarei isso ao mundo todo (será que você é
vaidosa? Torço para que sim). Reverencio o seu poder, seus sábios e dolorosos
ensinamentos.
Finalizo
essa carta, fazendo minhas as palavras da querida Kátia.
“Estou
saindo sem levar as chaves. Portanto, deixe as portas abertas, bem como as
janelas também. Quero arejar o quarto. Quero aliviar-me de sua presença que me
custou muitas noites de insônia e abundantes lágrimas. Saia sem
deixar marcas... E...por favor...Não me procure nunca mais...
Respeitosamente,”
Marcela